terça-feira, 12 de agosto de 2014

CARTA A ANTÓNIO ALEIXO


Desculpa António. Venho tarde.
A vida é a culpada deste atraso.
Fere-nos cá dentro, abre chagas que não saram,
Fecha os portais da única saída…
Escrevo-te num tempo, onde o Sonho estiola nas mãos como as papoilas
Na imensidão doirada das searas.
Não quero iludir-te. Não disponho de réstias de luar, de asas brancas,
Ou coisas simples com sabor a terra.
Só este frio de alma que desterra
Qualquer anseio de inventar altura!
Antes o teu silêncio além do espaço, submerso no ouro das estrelas,
Onde a fronte não pende de cansaço, após a rota de uma vã procura.
Por cá, desde que tu partiste, nada, ou quase nada aconteceu.
Ao povo, todos prometem reinos de ventura,
E tu, Amigo, é que sabias disto!
Por isso interditaram o teu nome…
Não quero torturar-te. Mas insisto
No teu alto sentido de Justiça,
Nos teus ideais fraternos, nessa fome funda de Amor,
No que te recusaram para que simplesmente respirasses
E fosses semelhante ao teu destino!
Esqueçamos, porém, o que lá vai.
O tempo decorrido não altera
Os lúcidos instantes desta hora.
É Primavera, António! Excelso hino
Liberta-se da terra fecundada
E abraça, ao longe, o busto duma árvore.
Ouço o clamor da seiva extravasada.
Vou sentar-me à sombra com o teu Livro
Onde ficaste, para todo o sempre,
Como uma estrela aprisionada em mármore.
A tarde é doce. Há sol pelo caminho.
Ao som da tua voz, na velha árvore
Talvez nasça uma flor desconhecida
Que ajude as aves a fazer o ninho!..

Autor: João Baptista de Sá – 1º Prémio de Poesia livre (Jogos Florais Pinha 76)

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